a colina sagrada

Esse costumava ser o meu momento favorito do dia, quando o sol já está se pondo, mas o céu ainda não está escuro, tampouco está tão claro. As mais diversas cores pintam o céu da tarde, passeando por variações de azul até o tom mais delicado de laranja.  Desta colina, eu vejo partes da cidade, montanhas que pouco a pouco foram povoadas e preenchidas por casinhas acima de casinhas. Os postes de luz já estão acessos. Daqui de cima, eles são só pequenos pontinhos luminosos. O vento é frio e cortante, mas, ao sentir meus ossos tremerem, me sinto viva. 

Há algo de nostálgico nesta atmosfera. É linda, mas não passou de um instante, na verdade, deve ter durado só alguns segundos. Tudo me pareceu uma eternidade, me vi congelada no momento, neste estado imutável de paz. A realidade que me espera lá embaixo é diferente, mais cruel e menos mágica. De repente, me dou conta de que quero chorar. 

Eu respiro fundo e conto até 5. 

Não funciona. Sinto o aperto na minha garganta, a emoção crescendo dentro de mim, prestes a transbordar. Mas eu me nego a chorar em público, pressiono os meus dentes contra os meus lábios, esperando que a dor me distraia dessa droga de emoção. Novamente, não funciona, meus olhos já estão molhados e as lágrimas se preparam para cair. Mordo com mais força e me obrigo a andar.  Um passo e depois outro e depois outro até que estou me afastando da igreja, colina à baixo. 

Tudo está embaçado. Não consigo enxergar nada. Não me lembro dos olhares que recebi na rua, não me lembro de chegar em casa, não me lembro de subir as escadas até o meu quarto. Mas estou aqui. Encarando a minha cama bagunçada. Meu peito pesa como chumbo e eu sinto dor e gosto de sangue. Ainda estou mordendo os meus lábios. Meus olhos ardem. Os fechos com força e água salgada rola sobre minhas bochechas. Eu respiro fundo mais uma vez, passando a mão pelos meus cabelos. Meu peito finalmente afunda. E as lágrimas caem, caem e caem. É impossível fazê-las parar. Meu queixo treme e meus soluços perdem a timidez, ecoam por todo o espaço. Mas não há ninguém para ouvir além de mim. 

Eu já não tinha controle. Deixei acontecer. Chorei por horas. 

Não consegui fazer outra coisa.

| uma carta de amor ao bonfim, minha casa, minha história. um lugar que nunca esquecerei mesmo que só tenha deixado a colina para morar ladeira a baixo.